sexta-feira, março 09, 2007

As mulheres do Carlos.

Minha família é matriarcal.
Sem ofensas pessoais, os homens foram apenas parte metade da reprodução da espécie.
Eles foram coadjuvantes nas histórias das nossas vidas, desde minha trisavó.
Sim, conheci minha trisavó por parte de mãe.
Eu tinha 6 anos e ela tinha muitos gatos. Quando ela morreu eu tinha 8.
Quase não andava mais e a casa era escura, mas lembro dos olhos dela cobertos pela camada branca da idade.
Ela tinha um companheiro, mas não era meu trisavô. Esse morreu eu nem sei quando, nem o nome dele eu nunca soube.
Assim parece ser a saga dos homens de minha família. Morrem antes.
São em menos quantidade.
Já a história da minha bisavó, Arlinda, sei mais ou menos. Mas não conheci meu bisavô.
Minha bisavó teve mais de 15 filhos. Criou todos a base do cipó e com muita dificuldade. Trabalhando na roça, sol a sol e lavando roupa no rio.
Sei com quase certeza que 4 desse tanto de filho foram, ou são, homens. São, não. É. Acho que só um é vivo. Tio Dema.
O resto, tudo mulher. Tantos nomes que eu nem sei. Tia Nalva, tia Judith, tia Ceci, tia Rai, tia Lourdes, tia Maria, tia mãe da Glícia, que esqueci o nome... Tudo viva.
E, claro, minha avó, Valdete.
Dessa eu sei história paa postar nesse blog o ano todo.
Alegria é sentar na cabiceira da cama da avó e se envolver na prosa nostálgica sobre aquele "tempo que era muito diferente".
Minha avó casou muito moça com meu avó, João Fernandes.
Eles dois tiveram 7 filhos. Ivane, Ivanildo, Ivaneide, Ivanete, Ivanilson, Ivanilze e Ivete.
A maioria, mulher.
E não foi muito diferente a criação da minha avó para a criação de meus tios
"Sofrida, minha filha".
A metade "dos meninos" estudavam pela manhã e a outra a tarde, para revesar os sapatos.
Estudavam em um turno e trabalhavam na roça no outro.
Tinham uma só bicicleta para os 7 e faziam guerra com os restos impróprios para comer da carne escassa que minha avó cozinhava com muito esmero. Era a "Guerra de Pelanca".
Mas aproveitaram a infância. Com a rigidez do Seu João Fernandes e o bondade da Dona Valdete. Que as vezes também distribuia palmadas nos filhos com as penas negras cinzentas.
Minha bisavó e meu avô morreram em 2003.
Minha mãe, cansada da vida de sempre sem futuro do interiorzão da Bahia e das opressões do meu avô, no ínicio dos anos 80 arrumou a mala e foi pra São Paulo.
Herdou a coragem e a garra de minha trisavó, bisavó e avó.
Entre a casa de um e de outro. Entre os empregos e humilhações por ser negra, pobre e baiana.
Entre infinitos almoços com apenas ovos, ela superou tudo com muito charme.
Até que um dia conheceu um palmeirense branquelo com cara de moleque, muito bonito.
Eduardo, o nome dele. Eles casaram e tiveram uma filha.
Mas se separam um ano depois e ela criou a filha quase sozinha com a irmã Nilze e a avó Valdete, todo mundo já tinha ido pra São Paulo, todo mundo trabalhando.
Depois de oito anos e já estabilizada, ela tem outra filha. Paula.
Quem cuidava de Paulinha era a filha mais velha, que aprendeu cedo a se virar sozinha e herdou a auto-suficiência feminina das outras gerações.
Mas Paulinha tinha uma doença respiratória e não tinha um pai presente.
E o médico deu um ano, no máximo, de vida para Paulinha.
Ivane largou a vida estabilizada e, depois de 13 anos na cidade grande voltou para Bahia, para uma vida mais saudável.
Hoje, Ivane, Valdete e Paulinha moram juntas a poucos quilometros da filha mais velha de Ivane.
Filha mais velha que morre de saudade e de orgulho de carregar o mesmo sangue de mulheres como essas e que espera estar traçando, com a mesma dignidade, um caminho marcado também pela coragem e pelo amor.

Michele Carlos.
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Feliz Semana da Mulher para as mulheres de minha família.

3 comentários:

Anônimo disse...

A historia da familia é bonita, mas...

"Assim parece ser a saga dos homens de minha família. Morrem antes."

ou

"Eles foram coadjuvantes nas histórias das nossas vidas, desde minha trisavó."

Nao gostei, nao.

Anônimo disse...

"E ai poderemos sorrir como mulheres negras,
que apesar de todo sofrimento se negam a chorar"

Mulheres Negras - Dead Fish

Anônimo disse...

Irmã!!
Eu gostei da narrativa!
Contou muito bem como foi e esta sendo a história de nossas vidas!
Claro tirando a parte que vc matou um tio nosso por achar que ele ja tinha morrido! O.o
Ficou muito bom!!

bjos te amo