sexta-feira, abril 27, 2007

"Respeito é pra quem tem"

Dois sócios de uma empresa construtora, resolve mandar matar o terceiro sócio majoritário, por cobiça e um certo conflito de interesses.O assassinato é a sangue frio e quem o cumpre é um já especialista no assunto que não só “despacha” o cara, como aproveita e manda também a mulher dele dessa pra melhor. Melhor sim, porque “O Invasor”, sob a direção de Beto Brant, pretende mostrar um mundo de prazeres sujos, de desigualdades, da ganância com precedentes na nossa própria divisão de classes, divisão essa que é mostrada como uma “linha imaginária” nas grandes capitais, nesse caso, São Paulo é o cenário. A periferia e o centro não fazem parte de realidades distintas, os dois universos compõem um labirinto de corrupção onde a esperteza é a lei de sobrevivência, onde ser sagaz e inumano a todo custo, valha o que valer, é o melhor caminho para ser alguém na vida.
O Invasor é um filme poético, de uma poesia não delicada, como outros filmes que pretendem mostrar a mesma realidade, o filme tem uma poesia agressiva, do cólera, racional, de ruas inundadas pelos piores sentimentos, do caos urbano.
Os dois sócios, interpretados por Alexandre Borges e Marco Ricca, recorrem ao plano “favela” para realizar o assassinato. O assassino, incorporado por Paulo Miklos, também quer algo em troca, que não só o dinheiro do serviço prestado. A partir dessa problemática relação que se desenrola gradativamente durante a história, o Invasor, expõe essa esfera podre de um país tão equivocado, essa esfera mesmo que vemos todos os dias nas manchetes dos jornais.



"Homem primata, capitalismo selvagem"

A participação de Sabotage dá o ritmo, literalmente, no filme. As músicas do rapper, que morreu também assassinado a sangue frio na “vida real”, entram no filme em forma de videoclipes que dialogam com as situações e ajudam a dar o “peso” necessário que claramente é pretendido pelo diretor. Em alguns momentos, achei que o recurso dessa linguagem foi deveras cansativo, abusado demais e prejudicou um pouco o roteiro, mas não compromete a qualidade do filme. O sucesso de “O Invasor” é resultado também de escolhas que deram o “ar” perfeito para a narrativa: fotografia obscura, com cores contrastadas, planos alternativos, linguagem adaptada e um elenco que se encaixou muito bem aos personagens. Marco Ricca e Alexandre Borges fazem bonito no papel dos sócios, personagens de personalidades diferentes e que se completam nesse mundinho impuro. Tá certo que um deles ainda carrega uma certa culpa pela admissão da tal barbárie tão trivial à nossa sociedade, mas tudo pode mudar com o decorrer dos fatos e descobertas. No entanto, quem chama a atenção é o cantor Paulo Miklos, que como eu já havia mencionado, incorpora, como todas as letras, o assassino. Ele É O assassino e convence tanto nesse papel que tomei até antipatia pelo cara. O legal de “O Invasor” é que ele tem tudo isso sem exageros, sem caricaturas, sem diálogos desnecessários, sem final feliz, e apesar do fim vir sem força e não ser surpreendente (afinal de contas, essa é a nossa realidade e admitindo ou não sabemos como acontece), também não decepciona, não é anticlímax e é muito coerente.

Paulo Miklos: "I am a jungle man"



O Invasor não pretende promover discussões, ele ta aí para constatar, afirmar que fazemos parte de um mesmo barco, que está para naufragar a qualquer momento e mesmo assim nos aglomeramos, empurramos uns aos outros para entrar nele. É o nosso país, que é mostrado cru e sem nenhuma esperança de mudança. Vale a pena ver “O Invasor”. É intrigante, desperta nossos piores sentimentos e é, acima de tudo, brasileiro.


"O Invasor" Brasil, 2001. 97 mins. Direção: Beto Brant. Com: Paulo Miklos, Marco Ricca, Alexandre Borges, Mariana Ximenes, Malu Mader.

2 comentários:

Shirley de Queiroz disse...

Dá uma raiva porque nunca leio uma crítica sua de um filme que já assisti e sempre fico com vontade de assistir os que você fala. Tenho assistido poucos filmes ultimamente...

Bjinhos

Anônimo disse...

Shirley, la no centro da cidade tem um lugar chamado Canal 3. Dá um pulinho lá e se atualiza, rapá!

Esse filme é muito bom e o texto tá otimo (devia escrever mais sobre cinema). O que mais gostei no Invasor é esse desconforto que ele retrata muito bem de classes que se misturam.

O padrão Globo Filmes nunca traz filmes com essa tensão entre ricos e pobres nesse pandemonio que é a sociedade brasileira.

Beijos