segunda-feira, abril 09, 2007

Ó pai ó – Muito carnaval pra muito pouco.

Entrei na sala de cinema com uma grande expectativa positiva com relação a “Ó Paí, Ó”. Esperava muito por esse filme que foi considerado pelos próprios realizadores como “o filme mais baiano que já foi feito”. O resultado foi que, no final da projeção, eu estava com aquela sensação de que esperei muito por muito pouco. “Ó Paí, Ó” decepciona em quase todos os sentidos.

“Quase” porque quem vai ao cinema em busca de boas piadas e entretenimento gratuito, tem diversão garantida.

No entanto, o filme fica devendo uma análise mais proveitosa da realidade que propõe mostrar, ficando preso apenas a uma narrativa inundada pelos estereótipos e histórias vazias que acaba por deixar o filme um tanto superficial.

O filme começa bem, Roque o pintor artista interpretado por Lázaro Ramos, é surpreendido pela personagem de Emanuelle Araújo que pede para ser pintada para a Timbalada. Logo depois, em outro momento, tem o único musical que se encaixou na trama: a música “Vem meu amor” do Olodum cantada pelo pintor vestido de mulher, voltando do carnaval já de manhã, em um passeio nas ruas do Pelourinho funciona como uma apresentação do ambiente, dando noção de tempo e lugar.



Rosa (Emanuelle Araújo) e Roque (Lázaro Ramos) - “Me pinte pra Timbalada!”

Por essas duas cenas iniciais, o que se espera é o desenrolar de uma história com um exame antropológico, dado que o cenário é encravado no berço de uma cultura riquíssima. Mas o que se sucede é um enredo hipostasiado, como diria uma amiga, “um filme para gringo ver” e vender o carnaval de Salvador. Se a intenção era exibir o lado “humano” do carnaval e usar à clef os moradores do Pelourinho para mostrar que por trás da maior festa do país existe um povo trabalhador cheio de singularidades, que dá o sangue para ter uma vida melhor e ainda consegue se divertir muito, o filme falha e não funciona nem como identificação. Isso porque as representações são quixotescas. O baiano é despojado, alegre e múltiplo, mas é apresentado de forma burlesca, exagerada, irreal.



Teatro X Cinema

Para tal excesso existe uma explicação: os personagens caricatos foram criados para o teatro (para a peça inspiração do filme), seguimento que permite esse tipo de exagero, e parece que não sofreram nenhuma adaptação para convencer o público da “tela grande”. Essa falha não é à toa, grande parte dos atores do filme é do Bando de Teatro Olodum e essa transposição para uma adequada interpretação não foi feita. Nada de novo, isso acontece com praticamente todos os filmes produzidos pela Globo Filmes, em que os atores saem direto da televisão e levam todos os vícios da atuação em novelas que para o cinema pode ser visto como uma insuficiência na interpretação.


Sendo assim, “Ó Paí, Ó” apresenta uma evangélica fervorosa, Dona Joana, proprietária de um cortiço no Pelourinho, locação principal do filme. Lá, entre outros, mora um travesti, um trambiqueiro boa pinta, uma mulher de coração grande que aperta seus cinco filhos num quarto minúsculo e um jovem pintor artista que dá o duro todos os dias para conquistar um “lugar ao sol”. Na paisagem histórica de Salvador ainda habitam Neuzão, homossexual e dona de um bar, um policial corrupto, uma mulher que supostamente casou com um gringo e voltou para Bahia, uma vidente e uma baiana de acarajé. Essa coleção de “tipos” torna difícil o desenrolar de uma história e desumaniza os personagens que estão lá muito mais pelos seus gêneros do que para compor algo de interessante.


“Ó pai ó no jornal, como o baiano é uma figurinha de cinema”


Considerado o ponto alto do filme, a interpretação de Lázaro Ramos funciona bem, soa verdadeira, sem muitas firulas. Já Wagner Moura não convence no estilo “lato, mas não mordo”, com expressões faciais forçadas, Dira Paes também não deposita todo seu talento na interpretação e Stênio Garcia passa despercebido.


É Boca (Wagner Moura), essa sua cara de mau não convence nem Roque...


Outro fator que demonstra insuficiência são os planos fechados de câmera que escondem o ambiente e limita a visão do cinéfilo, característica própria dos filmes guiados por diretores de novela e também de obras da Globo Filmes.


Conteúdo

“Ó Paí, Ó” é um filme de esquetes. Não desenvolve sequer nenhuma história consistente e por isso é embalado por musicais que nada acrescentam à trama. Decorrente desse mesmo fato, o único fator que pode atrair elogios ao filme é o mesmo que arranca risadas do público: os diálogos bem humorados compostos pelo mais fiel dialeto baianês, com os hábitos e as “tiradas” típicas dos habitantes da capital baiana, que “carregam” muito mais no sotaque do que qualquer outro povo do Estado.


O roteiro dançou. E Talvez por falta de “música” mesmo.


Sem um progresso gradativo da narrativa, o espectador fica esperando o ápice do filme que segue na mesma velocidade e superficialidade, e o que era para ser um final impactante é debilitado por uma suposta crítica social, um tanto quanto desconjuntada. Essa crítica, sem sucesso, diga-se de passagem, pretende expor que até mesmo, ou em especial, um cartão-postal como o Pelourinho sofre com os indicadores de violência, prostituição e racismo. No final, como a maioria dos elementos do filme, a discussão é estereotipada e se torna impotente.


Como disse, como entretenimento, “Ó Paí, Ó” é uma boa pedida. Eu espero que essas falhas de conteúdo sejam superadas na versão para TV já garantida pela Globo. É uma expectativa duvidosa, afinal de contas, essa disseminação de histórias isoladas e a ausência de uma reflexão mais coletiva são próprias do estilo minisséries de televisão.



Revisão: Hélio Flores.

3 comentários:

Shirley de Queiroz disse...

Avalio também que tenho feito boas amizades. Importantes amizades. Me sinto bem com meus amigos. Aprendo algo com cada um dos meus amigos.

Com você por exemplo, gostaria de aprender o sginificado de hipostasiado. Tô sem dicionário agora...

rsss. Te amo...

Daniel Pearl Bezerra disse...

Fato estranho foi à união do jornal O "Estadão" com a "Veja". Ousadia ou necessidade? Outro fato hilariante foram às críticas do ex-presidente e entreguista FHC ao presidente Lula de conversar com os líderes da oposição para aprovar projetos de interesse do país. O que você precisa tomar conhecimento é entrevista bombástica do ex-repórter da TV Globo, Rodrigo Vianna: demitido após se recusar a assinar um abaixo-assinado defendendo a cobertura eleitoral da emissora, confirma que, de fato, existe interferência política no Jornal Nacional. "Será que a Rede Globo fez uma opção parecida com a da Igreja Católica de Ratzinger?" A grande imprensa e seu colunismo político golpista vivem comparando o crescimento econômico do Brasil com o do Haiti por conta da evolução do PIB que este país tem apresentado nos últimos dois anos, pois aquele país tem crescido pouco devido aos problemas político-institucionais e sociais que enfrenta. Acesse o DESABAFO PAÍS. Daniel - http://desabafopais.blogspot.com

Anônimo disse...

Eu ja disse que o texto ta otimo, ne? Deveria escrever mais sobre os filmes que vê...

Boa lembrança a dos planos fechados. Os filmes da Globo Filmes sempre lembram mais TV do que cinema, realmente.

Bjos