sexta-feira, junho 15, 2007

Considerações sobre a edição do Jornal Hoje, de hoje.

-Realmente a violência já foi banalizada no Rio, ou melhor, no mundo inteiro.
Ninguém se abala mais, tudo é normal.
Durante a matéria que contava a operação da tropa de choque em uma faixa de entrada de uma favela, o destaque foi dado para os bandidos que exibiam para os policiais metralhadoras por trás de um muro. O muro era a barreira entre eles. Então, um furgão blindado da policia demoliu o muro. "Bandidos e a Tropa de Choque trocam vários tiros". Basicamente acabou a matéria e ninguém se atentou, ou se se atentou e achou uma coisa secundária, que em meio aos tiros, na faixa de transição entre bandidos e policia, uma mulher passava com suas crianças, tranquilamente (pelo menos visualmente). Em outro momento, um rapaz sai de uma casa, olha para os dois lados e sai ainda sim, como se fosse atravessar a rua e esperava o carro passar.
Duas coisas me chocaram:
1- as pessoas já incoporaram a violência ao cotidiano. O que acaba sendo uma necessidade de sobrevivência: ou convive com a guerra ou não vive mais, mesmo sabendo que se a pessoa optar por conviver com a guerra pode não viver mais sendo vítima de uma bala perdida.
2 - Nem foi citado na matéria a despreocupação aparente das pessoas que andavam pela rua!

Sem análises antropológicas por hoje, isso tudo é muito triste.


- Na outra matéria, em seguida, vemos a matéria sobre a chegada dos "restos mortais" daquele engenheiro brasileiro que foi sequestrado e morto no Oriente Médio (porque não sei exatamente em que país ou cidade).
A família, os amigos, todos estavam muito abalados e apesar do fato do assassinato ter sido a dois anos, a matéria era um quanto fúnebre, como só poderia ser.
No entanto, uma coisa me incomodou tanto quanto o fato de ver as pessoas enterrando um amigo dois anos após sua morte, num sofrimento que se arrastou por todo esse tempo: o uso da expressão "restos mortais" mais de quatro vezes durante o telejornal. Uma pelo âncora nas manchetes, de novo para chamar a matéria, e pelo repórter duas vezes na matéria.
"Restos Mortais" é muito forte, especialmente na hora do almoço, porque enquanto eu como eu imagino os "restos mortais" do engenheiro, quais parte do corpo poderiam estar no caixão, em que estado de putrefação.... A imaginação é uma coisa inevitável, principalmente nesses casos em que não se vê exatamente o que se é noticiado.
Como jornalista, penso: mas qual seria o sinônimo para "restos mortais" menos agressivo? Se a notícia é cruel, deve-se amaciar as expressões para que sejam digeríveis e aquele almoço ser bem digestivo? Ou isso seria "maquiar" a notícia?
Questões que são tratadas por todos os manuais de ética do jornalismo, mas que na verdade não têm respostas para uma conduta ideal. É questão de bom senso, e bom senso é pessoal.
Ou deveríamos, nesse caso, agir como as pessoas que passam em meio a tiroteios, como se nada tivesse acontecendo? Vamos aceitar que boa parte de vida é bem cruel? E é mesmo.
Não sei.

-Para quebrar o clima tenso, um pouco sobre pordutos de beleza. Na matéria fiquei sabendo que o Brasil é o terceiro maior consumidor de cosméticos, só perdendo para EUA e Japão. O foco era: mulheres tenham cuidado com os produtos sem a inscrição na Anvisa e cuidado com as propagandas enganosas! Entra um especialista da Anvisa e fala que não existe produto que tira ruga, que deixa mais nova, que deixa o cabelo assim, assado e para não confiar nas marcas que juram milagres. Acaba matéria, qual é o primeiro comercial que passa? O novo creme anti-rugas da Avon! E na assinatura do comercial algo como "Avon, você sempre jovem".
No mínimo, hilário.
Aí alguém pensa: "Como o especialista da matéria disse para não usar marcas assim, vou mudar para Natura. Ou melhor, vou parar de usar cosméticos!" Ou então: "Esses caras da Anvisa não sabem de nada!".

Escolha um lado.
Para um almoço tranquilo, desligue a TV.

Um comentário:

Shirley de Queiroz disse...

Oi, Mi... Saudade...
Também assisti a essa edição do jornal e exatamente essas duas coisas me chamaram a atenção(menos a dos cosméticos, que não vi, mas já desconfiava).

Na primeira vi uma criança passando e fiquei chocada! Um absurdo. Acho que o Brasil tem que acabar e começar de novo. Só assim pra dar jeito. (E também fiquei pensando como cinegrafista é bicho doido, né?)

A outra, a dos "restos mortais" fiquei pensando na família do cara, que agora não passa de restos. Horrível. "O corpo" também é horrível, mas acho que é menos mal que restos...

O pior é achar que essas neuras só existem na cabeça de nós jornalistas e de quem convive com a gente, ou tem um nível de crítica maior. Acho que o povão passa batido.