sexta-feira, julho 20, 2007

Brazilian way of life

Eu nem me lembro mais de onde surgiu essa expressão: “Brasileiro não desiste nunca”. Mas, embora ela tenha caído como uma luva na boca dos que gostam de achar uma explicação prática para as histórias de determinação, não vejo com simpatia o jargão que será usado, eu sei, por um bom tempo no nosso vocábulo.

Foi na campanha do Lula, não foi? “Eu sou brasileiro e não desisto nunca”. Os brasileiros adoraram esse resgate da auto-estima e se juntaram ao candidato à presidência que talvez seja o exemplo mais apropriado para ilustrar essa frase já determinada como verdade incontestável.

A verdade incontestável é que realmente para sobreviver com um pouco de dignidade nesse país deve-se ter um mínimo de firmeza, jogo de cintura, dedicação e paciência. Não é o pior Estado democrático de todos, mas o que vivemos aqui não é nada animador. A saúde, a educação, a justiça, a desigualdade compõem, entre outras coisas, a cruz que carregamos nas costas por essa Via Dolorosa dos nossos dias. Então, a frase vem a calhar mesmo, como um exercício de autoconfiança, auto-valorização e de certeza de que se você não depender de si mesmo e da própria força de persistência, não obtêm a divina redenção. Se o brasileiro não desiste nunca é porque as coisas estão complicadas por aqui.... e estão porquê?

“Eu sou brasileiro e não desisto nunca” é frequentemente usado no esporte acompanhado pelo som do nosso segundo hino: “eeeeuuuu sou brasileiro com muito orgulho, com muito amooooorr”. O esportista não desiste, (afirmação inverossímil quando me lembro da última Copa do Mundo) fica até o final, lutando com garra. O torcedor não desiste, rói as unhas e fica chateado mesmo quando a seleção feminina de vôlei deixa o outro time virar e levar a melhor quando faltava apenas um ponto para o ouro pan-americano.

Ainda não aprovando e suspeitando dessa febre da nossa “palavra” de ordem, é na fé que o brasileiro encara a jornada de trabalho, os salários humilhantes, a falta de respeito e todas as conseqüências dessas três questões que são apenas uma porcentagem da lista de desgraças que nasceram com nossa tão maravilhosa colonização. E é no famoso “jeitinho brasileiro” que esquecemos disso tudo e esbanjamos felicidade (e esbanjar felicidade já parece ser um critério obrigatório, e único, para anular as árduas lidas diárias), com feriados, carnaval e todos os tipos de festividades que qualquer gringo reconhece em qualquer canto do mundo como “brazilian way of life”.

Minha desconfiança com “Eu sou brasileiro e não desisto nunca”(além do contexto que em que a expressão surgiu, o menos confiável, o político) é que o brasileiro não desiste nunca mas também não aprende nunca. Não aprende a exigir direitos, cumprir deveres, só se preocupa quando pisam no seu próprio calo, não levantam a voz se não for pra defender seu próprio umbigo, reclamam só da boca para fora, e o que é pior, gostam da política do “pode até ser errado, mas quem está pagando o pato agora não sou eu, então...”. De alguma forma, estranha e difícil de entender, o brasileiro não desiste nunca, mas gosta de facilidades. Poucos se importam em furar fila, muitos gostam de ter costas largas e conseguirem empregos em prefeituras sem fazer concursos públicos, poucos são honestos quando o troco vem errado. A política do “mais esperto” impera por aqui, e mesmo que a consciência pese um dia, e daí, é assim mesmo, fazer o que?
“Não posso desistir e aprender é muito difícil”, principalmente quando ninguém tem a intenção de aprender.

Saber que o "brasileiro não desiste nunca" não é um alívio. Se o brasileiro não desiste nunca é porque as coisas estão complicadas por aqui.... e estão porquê?
A frase não me desce como um amor ao país. É narcisista e faz com que, mesmo depois de quatro horas na fila do INSS, você saia com as mãos abanando e com um sorriso constrangedor no rosto acompanhando o "sou brasileiro, não desisto nunca".

O país parece nossas escolas públicas. Vamos passando os anos arrastando, colando nas provas, se beneficiando aqui, acolá, filando as aulas que não convêm. Mas, nada de desistência! E todos se certificam de que isso não aconteça. Porque brasileiro não desiste nunca, nem que para isso não aprenda nada.

Não aprende, por exemplo, que frases bonitas, de efeito moral, são fabricadas para eleger e para ganhar dinheiro às custas de quem não desiste nunca.

Um comentário:

Anônimo disse...

po, gostei do texto, hein!
parabéns!
beijo :)